quarta-feira, 13 de abril de 2016

Gestão financeira sem mistério

Investir em novas tecnologias, contratar mais funcionários, reduzir gastos ou reajustar valores? Seja qual for o perfil e o tamanho da escola, um dos grandes desafios na hora de tomar qualquer decisão é conciliar as necessidades da organização com o seu impacto financeiro. Para explorar melhor o tema, aGestão Educacional conversou com palestrantes que participaram do Encontro Nacional de Gestores Financeiros de Instituições de Ensino, que aconteceu durante o Geduc 2013 – XI Congresso Brasileiro de Gestão Educacional e III Congresso Internacional de Gestão Educacional, no mês de março de 2013 em São Paulo (SP).
Os especialistas são unânimes em afirmar que o sucesso de qualquer organização está relacionado com o seu planejamento estratégico e que a gestão financeira não deve ser tratada como algo isolado. “As decisões financeiras devem ser consistentes e niveladas com a missão e o planejamento. O ideal é que a escola esteja comprometida com um plano estratégico, com um orçamento e com um plano plurianual financeiro que estejam alinhados com esse planejamento”, diz James P. Honan, professor sênior da Escola Superior de Educação de Harvard, nos Estados Unidos.
Isso significa que, antes de qualquer decisão, a instituição de ensino precisa ter claro qual é sua missão, sua visão e seus valores, além dos objetivos que pretende a curto, médio e longo prazos. Dessa forma, fica mais fácil estabelecer uma gestão financeira estratégica que contribuirá para a tomada de decisões com acompanhamento constante dos seus resultados e do orçamento. “Essa gestão vai levar não apenas a um modelo de negócios mais eficiente e sustentável, mas também aumentará a capacidade da escola de atingir a sua missão”, destaca Honan.
Para Walter Saliba, sócio-diretor da Prima, consultoria que desenvolve sistemas para gestão educacional, a gestão financeira é uma consequência do plano estratégico. “O principal é fazer um bom planejamento porque é importante definir qual o caminho que a instituição quer seguir. Depois disso, o planejamento financeiro é uma consequência, ou seja, como você vai realizar aquele sonho”, destaca.
Saliba acrescenta que a falta de planejamento é um dos principais erros das organizações educacionais, principalmente as de pequeno porte. “Poucas instituições demandam tempo para isso, mas é importante saber claramente quais são os objetivos e comunicá-los para todo pessoal dentro da escola para que eles compartilhem dos mesmos valores e objetivos. Enquanto houver isso, a instituição terá maior longevidade, valor e lucratividade”, diz.
Exercer uma gestão financeira mais estratégica envolve a busca pelo equilíbrio financeiro – quando se tem um plano para atingir uma condição mais estável –, a viabilidade e a sustentabilidade financeiras – quando existe uma estratégia de longo prazo para a manutenção dessa boa condição –, além de maior conexão entre os objetivos da instituição, seus recursos e impactos financeiros.
A equipe certa
Garantir uma gestão financeira estratégica demanda diferentes esforços. A organização precisa investir na profissionalização da área, mantendo uma equipe qualificada que reúna competências e conhecimentos para apoiar todos os aspectos dessa gestão, ou seja, da análise financeira e da contabilidade ao orçamento ou ao mais avançado modelo econômico, além da capacidade de desenvolver um plano plurianual financeiro associado ao planejamento estratégico da escola. “Também é importante ter um Conselho Administrativo com integrantes que tenham habilidades financeiras e conhecimento necessários para serem administradores eficazes dos recursos da escola”, diz o professor da Harvard.
Para Saliba, dependendo do porte da instituição, essas funções podem ser desempenhadas por um diretor e uma equipe operacional. “Basicamente, deve-se cuidar muito bem do ‘contas a receber’ – para que a escola não tenha níveis elevados de inadimplência – e do ‘contas a pagar’, além de ter um gestor em nível mais alto, que fará o orçamento e que deve estar diretamente ligado à diretoria para saber qual o planejamento, isto é, para qual direção a escola vai caminhar”, explica.
Metodologia profissional
Assim como o planejamento estratégico, o plano financeiro deve ser anual e contemplar metas de curto, médio e longo prazos, com previsões para cinco e até dez anos, que serão revistas todos os anos. Diversas ferramentas e estruturas podem apoiar a criação e a manutenção da gestão financeira estratégica. As mais usadas incluem modelos lógicos, tabelas e painéis de indicadores de desempenho, além de previsões financeiras e planos plurianuais.
balance scorecard (BSC – em português “indicadores balanceados de desempenho”) é uma metodologia de medição e gestão desenvolvida por Robert Kaplan e David Norton, professores da Harvard Business School, bastante utilizada por organizações educacionais, pois ajuda a definir os indicadores-chave para a avaliação e o acompanhamento da organização.
Os indicadores são estabelecidos de acordo com os objetivos e as características de cada instituição e incluem índices de lucratividade, inadimplência, captação e evasão de alunos, satisfação dos educandos e dos colaboradores da escola, entre outros. “Você pode verificar mensalmente como estão esses índices e se é preciso atuar para mantê-los no nível que foi estabelecido no planejamento”, orienta Saliba. O especialista lembra que o intervalo para avaliação dos indicadores não deve ser muito grande, pois se isso ocorrer, a escola pode não ter tempo para agir sobre o item que foi muito desviado de seu objetivo inicial. Ao mesmo tempo, o custo desse monitoramento é alto, principalmente pelo tempo dedicado. Por isso, cada instituição precisa estabelecer um patamar razoável de acordo com o seu perfil.
Em busca de lucratividade
Manter as contas longe do sinal vermelho, atingir o equilíbrio financeiro e, ainda, obter lucratividade são alguns dos principais desafios no processo de gestão de uma organização educacional; afinal, são muitas as variáveis que impactam nesses objetivos, desde a receita obtida até os gastos por ve­zes imprevistos.
Segundo o consultor Saliba, o caminho para conquistar a lucratividade pode ser lento e difícil, mas necessário para a sobrevivência da instituição de ensino, e está diretamente relacionado ao seu planejamento. “A escola precisa encontrar os seus diferenciais em relação à concorrência no mercado em que pretende atuar, identificando o seu nicho, isto é, o público-alvo e o serviço que irá oferecer”, destaca.
Ele lembra que é importante analisar se a escola conseguirá prestar o serviço a que se propõe ao praticar valores que sejam atraentes para o público e que possam, ao mesmo tempo, dar o retorno econômico esperado para que a instituição possa se desenvolver. Com isso, o planejamento precisa contemplar o nível de lucratividade almejado, estabelecendo objetivos de crescimento.
Saber liderar e dialogar
A realização de uma boa gestão financeira e de um bom planejamento estratégico permite que osstakeholders (públicos da escola) tornem-se satisfeitos, na medida em que os estudantes recebem um bom serviço, os fornecedores e os colaboradores são pagos em dia, as obrigações fiscais são cumpridas corretamente e os acionistas são remunerados de forma adequada.
Nesse contexto, é importante que a liderança saiba comunicar as condições financeiras da organização aos stakeholders, compartilhando informações sobre a análise financeira e envolvendo-os, na medida do possível, na tomada de decisões. Para o professor da Harvard, é fundamental que o líder saiba estruturar as conversas que terá com esses públicos, principalmente nas situações em que é preciso comunicar sobre recursos limitados, necessidade de realocação de verba ou de redução de custos. “Ele [o líder] estará liderando uma conversa difícil sobre fundos limitados; por isso, precisa mostrar claramente que sabe lidar com a gestão financeira estratégica e o uso dos recursos financeiros. Além disso, muitas vezes os professores e outros funcionários não têm conhecimento financeiro; por isso, deve-se instruí-los para que possam participar devidamente da conversa”, explica. Para Honan, o gestor deve se perguntar que informações são esperadas por cada público e qual a expectativa de cada um.
Revisão periódica do orçamento
Saber alocar de forma estratégica os recursos financeiros pode fazer toda a diferença no processo de gestão de uma escola. Para isso, é preciso entender, primeiramente, o que é o orçamento. Na opinião do sócio-diretor da Prima, o orçamento nada mais é do que o planejamento econômico e a análise da viabilidade das ações. “O orçamento traduz os objetivos da instituição de ensino em termos financeiros”, diz Saliba.
O executivo lembra que o orçamento não deve ser uma mera projeção da evolução histórica da escola, pois devem ser consideradas as condições de mercado que estão em constante mudança, o que pode gerar oportunidades ou até ameaças. Nesse caso, talvez seja necessário rever a estratégia e o orçamento.
O acompanhamento mensal do orçamento é importante para verificar se a organização está caminhando na direção correta, considerando o que estava previsto e o que foi realizado, além de identificar possíveis desvios. Por exemplo, a escola fez um orçamento imaginando que teria mil alunos em determinado tempo, praticando uma mensalidade de “X” reais; portanto, deveria alcançar uma receita específica. Mas, passados alguns meses, observa-se que alunos foram perdidos e a escola teve que praticar um valor abaixo do estimado e, por isso, a sua receita é menor, o que reflete uma falha no planejamento ou na execução. “Nesse caso, houve uma divergência entre o objetivo inicial e o que está acontecendo na prática. É preciso ajustar esse rumo, por exemplo, corrigindo custos ou investindo menos em algo, senão algum ponto ficará descoberto”, diz o sócio-diretor da Prima.
Novas tecnologias: quando investir
O investimento em novas tecnologias, seja no âmbito administrativo, seja no acadêmico, pode ter impacto significativo sobre os recursos e a condição financeira da escola. Acompanhar essa demanda no mercado competitivo, conciliando as expectativas de alunos e pais, é uma tarefa cada vez mais difícil.
A tecnologia pode ser vista como um investimento ou até mesmo uma forma de gerar ganhos de eficiência dentro da organização, mas ela precisa ser um instrumento e não o fim. “A instituição precisa se concentrar nos objetivos e na qualidade do serviço a ser prestado. Dessa forma, a tecnologia fica em segundo plano, pois essas novas necessidades que se tentam gerar, na verdade, não são tão urgentes assim”, diz Saliba.
O fato é que é impossível assimilar tudo de novo; por isso, é importante entender que a evolução tecnológica sempre fará parte da realidade do mercado, mas a organização precisa se concentrar na sua necessidade específica. “É preciso entender qual é o foco e o intuito do negócio para depois considerar qual tecnologia se adapta a esse serviço, pois nem sempre será a mais recente. Mesmo com a tecnologia que não é necessariamente a mais atual e cara, pode-se prestar um bom serviço e o cliente irá perceber isso”, destaca o sócio-diretor da Prima.
Caso de sucesso
Para Paulo Serino, superintendente executivo da Área Educacional do Grupo Marista, a demanda crescente pelo serviço educacional privado, em um mercado competitivo, vem fazendo com que o setor busque maior profissionalização, inclusive no aspecto da gestão financeira. Ele conta que, há cinco anos, o grupo iniciou um processo de gestão em rede de seus 17 colégios, distribuídos nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, além de Goiânia e o Distrito Federal, integrando a administração das unidades. “Esse processo é uma migração de uma gestão totalmente independente para a matricial, em que a escola tem, obviamente, os seus próprios drives [demandas], mas com um planejamento integrado”, diz.
Serino informa que a gestão financeira das escolas também está ligada ao planejamento da instituição, o que inclui a análise de cada mercado em que o grupo atua, sempre com uma visão de longo prazo. “Quando olhamos o ciclo de um aluno, é um ciclo de 15 anos dentro do colégio. Por isso, qualquer planejamento, seja educacional ou financeiro, tem que ser de longo prazo”, destaca.
O superintendente explica que todo o planejamento, seja estratégico, tático ou operacional, é feito em conjunto na rede. “O orçamento que temos para esse ano é discutido como um todo, mas também colégio a colégio, dentro de uma visão de rede e de forma centralizada. Obviamente que a execução desse orçamento ocorre dentro de cada unidade”, explica.
Os benefícios do novo modelo de gestão já podem ser sentidos na prática, com resultados positivos em todas as escolas. Ao mesmo tempo, unidades que eram deficitárias passaram a ser superavitárias e entraram em uma linha de crescimento. “Se não trabalhássemos em rede, perderíamos uma grande sinergia. Ao olharmos os colégios, percebemos que problemas que existem em uma unidade já têm solução em outra; por isso, é possível fazer um trabalho de benchmarking [comparativo de melhores práticas], considerando questões financeiras ou educacionais”, diz Serino.
A equipe financeira é formada por um diretor de negócios responsável pela gestão financeira e negócios da rede, além de um gerente financeiro em cada unidade, que tem o suporte de uma equipe local. Entre os principais indicadores de desempenho avaliados periodicamente pela instituição, estão a receita operacional líquida, a folha de pagamento, os índices de inadimplência, os custos fixos, a rentabilidade, entre outros.
O investimento em tecnologia vem sendo tratado de forma estratégica pelo Grupo Marista, proporcionando um diferencial competitivo à instituição. O grupo desenvolveu um projeto de dispositivos móveis que contempla o uso de tablets (computadores portáteis), redes sem fio e conteúdos específicos. Com isso, todos os alunos do ensino infantil ao médio utilizam a tecnologia de ponta em disciplinas específicas, o que visa incentivar e aumentar a aprendizagem.
Mas esse investimento foi realizado de forma criteriosa. Inicialmente, o grupo realizou um projeto piloto em três unidades nas cidades de Brasília, Curitiba e São Paulo. A ideia era analisar os benefícios da incorporação das novas tecnologias e o quanto estas poderiam agregar, efetivamente, na aprendizagem do aluno. Dessa forma, somente após a análise dos resultados, que foram bastante positivos, a tecnologia foi aplicada em toda a rede.

Os principais erros da gestão financeira
Para Walter Saliba, sócio-diretor da Prima, diversas falhas podem comprometer o desempenho e a gestão financeira da instituição. Muitos desses erros ainda são comumente encontrados em escolas menores e precisam ser revistos:
- Misturar as finanças pessoais com as da instituição, o que não é saudável para nenhum dos lados;
- Fazer a gestão olhando somente para o caixa, ou seja, se há saldo disponível para pagar as contas nos próximos dias, sem pensar em longo prazo;
- Não cuidar adequadamente das contas a receber, o que pode gerar níveis altos de inadimplência;
- Não planejar os investimentos, podendo pecar pela falta ou pelo excesso;
- Trabalhar na informalidade ou sonegar tributos. Cedo ou tarde, essa situação gerará problemas trabalhistas ou com o Estado.

Escolha uma ferramenta para a gestão financeira
Uma dica para quem busca maior profissionalização da gestão financeira de uma escola é a incorporação de sistemas especialmente desenhados para esse fim, bem diferentes das simples planilhas em Excel. O desenvolvimento de um software compila conhecimentos, procedimentos e boas práticas adotadas pelas melhores instituições de ensino. “Ao escolher uma solução, a escola deve verificar a aderência entre seus processos e a funcionalidade do software. Em muitos casos, o softwareprecisará ser adaptável à realidade da escola. O oposto também pode ocorrer, ou seja, a forma como o sistema executa um procedimento pode ser bem melhor do que a praticada pela escola”, orienta Walter Saliba, sócio-diretor da Prima.
Os valores para o uso dos softwares variam de acordo com o porte do colégio e a abrangência da solução. Os fornecedores praticam diferentes formas de pagamento, como a venda de licenças por prazo indefinido, a cobrança de manutenção ou de mensalidades que dão direito ao uso do sistema e suas atualizações. Há várias opções do produto no mercado.

Fonte:http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/gestao/613-gestao-financeira-sem-misterio
acessado em 13/04/2016