segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Inadimplência

A inadimplência escolar é hoje um dos piores tormentos para os gestores das escolas particulares do País. Segundo o advogado Luis Fernando Chacon, sócio do escritório CMO Advogados, que tem atuação especializada em gestão jurídica de instituições de ensino no Vale do Paraíba e na capital paulista, e gestor do blog Direito empresarial educacional, sempre que uma família passa por uma crise financeira, mesmo que involuntária, ela decide qual dívida manterá em dia e qual delas atrasará. E, muitas vezes, a mensalidade escolar é a escolhida para ficar sem o pagamento. “A legislação cria algumas proteções para o aluno inadimplente, como o impedimento de cobrança antes do prazo de 90 dias de vencimento da dívida e a proibição de retenção de documentos”, ressalta. Para ele, nenhuma instituição de ensino deve deixar que a inadimplência prejudique o seu negócio. “É preciso ter controle dos dados e adotar iniciativas para reverter essa situação”, alerta.
Anna Maria Damiani, coordenadora da Escola de Educação da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, que oferece o curso Master em Gestão Escolar: Administração e Supervisão, observa que existem algumas regras para tentar diminuir o índice de inadimplência nas instituições. “Uma delas é a escola ser proativa em sua cobrança”, diz. Enviar um e-mail antes do pagamento, lembrando informalmente sobre a data de vencimento do boleto, e alertar o inadimplente de que ele está passível de cobrança de juros e de multa são algumas das opções. “Outra metodologia é dar desconto para o pagamento antecipado ou se ele for feito dentro do prazo acordado”, avalia.
A elaboração de um bom contrato ainda é uma das principais garantias no combate à inadimplência. Para isso, é necessário que o documento seja claro e contemple as necessidades de ambas as partes. “São indispensáveis os seguintes itens: destacar as cláusulas que restringem o direito do cliente, como ressalvas na hora de fazer a matrícula para o próximo ano, no caso de inadimplemento ou perda de desconto quando do atraso do pagamento; permissão expressa para a inclusão dos dados do devedor nos cadastros de proteção ao crédito, com menção de que a cobrança será realizada por escritório de advocacia e será feito um acréscimo a título de honorários; cláusula completa sobre quais são os efeitos diretos e indiretos no caso de inadimplemento, como juros, correção monetária, multa, honorários advocatícios, dentre outros”, destaca Chacon.
É proibido
Entretanto, os gestores das escolas precisam ficar atentos para não confundirem as questões administrativas e financeiras com as pedagógicas, conforme prevê a Lei n. 9.870/1999, que regulamenta as mensalidades escolares. Em outras palavras, a instituição é proibida de aplicar penalidades ou sanções pedagógicas, como a não aplicação de provas, a retenção de documentos ou o não acesso a lugares. “Temos que nos colocar no lugar do inadimplente, pois todos nós podemos passar por fases de desemprego, e acreditamos que um pai ou uma mãe não colocam um filho em uma escola particular com a intenção de não executar o pagamento. Portanto, sempre que possível, a cobrança deverá ser feita de maneira respeitosa, deixando os responsáveis exporem a situação, para tentar se chegar a um acordo”, observa Anna Maria.
De acordo com o advogado, todo credor tem direito de cobrar, mas o exercício desse direito não pode ser abusivo. Por isso, é preciso buscar orientação do departamento jurídico para verificar de que forma a cobrança deve ser feita, de modo que a situação não se agrave ainda mais. “Tudo que possa expor a privacidade, a imagem e a honra do devedor deve ser evitado, como deixar recado com terceiros, fixar listas em local público, ligar para o local de trabalho, para a casa de vizinhos etc. Isso pode gerar um dano moral pelo abuso do direito de cobrar, o que chamamos de cobrança vexatória”, alerta.
Na opinião de Chacon, a somatória de atos preventivos e reativos tende a combater o que é chamado de “cultura da inadimplência”, o que, em médio prazo, vai reduzirá o índice de inadimplência da instituição e tende a acelerar a recuperação de valores não pagos.

Como driblar a inadimplência
Orientações para evitar que a inadimplência interfira na saúde financeira de sua escola:
- Manter a documentação e os dados cadastrais de cada aluno organizados e atualizados de maneira efetiva (contrato, documentos pessoais, registros escolares, telefone, e-mail, endereço etc.) pode ajudá-lo em um possível cenário de cobrança extrajudicial ou judicial.  
- Gerenciar os dados em tempo real facilitará ações imediatas e eficazes.
- A conduta do gestor não pode ser reativa, mas sim preventiva.  
- Sindicatos e associações de instituições de ensino e mantenedores apresentam índices de inadimplência por região, o que pode servir de termômetro para o gestor.  
- A demora na cobrança dos devedores e o ajuizamento das ações de execução gera a cultura do inadimplemento, o que pode fazer com que os devedores se acomodem.
- Certificar-se de ter, em sua instituição, pessoas preparadas para realizar os atos de cobrança internamente. Isso contribuirá com o serviço do profissional que receber depois a documentação e o registro dos atos praticados.
- Organizar um mutirão de cobrança e realizar uma semana interna de conciliação (com abatimento nos juros e multas) para facilitar um acordo com a parte devedora podem ser boas opções.
- Ser proativa na forma de cobrança. É interessante enviar um e-mail antes do pagamento, lembrando informalmente sobre a data de vencimento do boleto.
- Alertar o inadimplente de que ele está passível de cobrança de juros e de multa.
- Dar desconto para o pagamento antecipado ou feito no prazo acordado.

Fonte:http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/especiais/planejamento-financeiro/904-inadimplencia-x-saude-financeira
Acessado em 29/09/2015 
Advogado Luis Fernando Chacon e educadora Anna Maria Damiani
 Matéria publicada em agosto de 2014.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Estratégias para vencer a indisciplina

Estratégias para vencer a indisciplina

Estratégias inteligentes e o exercício justo da autoridade são formas eficazes de enfrentar a indisciplina

Silvia Avanzi
Calvin
CALVIN E A INDISCPLINA Personagem do americano Bill Watterson questiona com irreverência as regras e proibições da escola
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O que é indisciplina?

A indisciplina, dizem educadores de todo o país, é o maior problema da sala de aula - e da escola. Porém essa realidade (apontada em pesquisa feita pela Fundação Victor Civita e pelo Ibope com 500 professores) está longe de ser a verdadeira responsável pela dificuldade de ensinar: o que, de fato, impede o trabalho docente é a falta de adequação do processo de ensino.

Partindo do princípio de que as estratégias de repressão usadas por muitas escolas são pontuais, imediatistas e ineficazes, apontamos soluções para encarar o problema. Longe de ser um manual, esses passos são o ponto de partida para um trabalho que requer o envolvimento de toda a equipe.

Distinguir as regras 
A indisciplina é a transgressão de dois tipos de regra: as de natureza moral (baseadas em princípios éticos, que visam o bem comum, e por isso valem para todas as instituições e para qualquer situação, como não bater, não xingar e não mentir) e as convencionais (que variam de escola para escola, como as que se referem ao uso de celular, uniforme e boné). Com frequência, os regimentos escolares erram ao colocar essas duas situações em um mesmo patamar. É importante distingui-las para entender melhor a indisciplina e lidar com ela.

Equilibrar a reação 
Pesquisa com 55 diretores realizada por Isabel Leme para a Universidade de São Paulo, em 2006, mostrou que a gestão de conflitos é vista por 85% deles como fundamental para garantir a paz na escola. Mas, alertam os especialistas, o que se vê na prática é menos uma abordagem para entender o problema (e lidar com ele) e muito mais a tentativa de evitar qualquer distúrbio. Quando uma situação foge do controle imposto, a reação é mandar os alunos para a diretoria. O caminho sugerido é outro: dialogar sempre, ouvindo as partes e demonstrando respeito pelos valores de cada um.

Conquistar a autoridade 
Toda vez que se tenta impor a disciplina com autoritarismo, surge a revolta. Com mais conhecimento, todo professor adquire segurança em relação aos conteúdos didáticos e aprende a planejar aulas eficazes. Pode parecer simples, mas isso é essencial para manter a disciplina e fazer com que todos aprendam. "É preciso diversificar a metodologia, pois interagimos com alunos conectados ao mundo de diferentes maneiras", diz Maria Tereza Trevisol, professora da Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus de Joaçaba, a 371 quilômetros de Florianópolis.

Incentivar a cooperação 
Esforçar-se para construir um clima escolar de qualidade, no qual os estudantes sejam respeitados e aprendam a respeitar, traz recompensa: um comportamento adequado porque todos têm consciência de seu papel na escola e não por medo de castigos. Nessa situação, professores e gestores são vistos como figuras de autoridade moral e intelectual, capazes de negociações justas com a garotada (nunca autoritárias).

Agir com calma 
Em uma situação de indisciplina, é preciso, sim, manifestar contrariedade. Sem exaltações, mostrar ao aluno que todo o grupo é prejudicado vai ajudá-lo a perceber as consequências de suas ações e aprender como agir em outras situações similares.

Ficar sempre alerta 
Cabe à escola cultivar um ambiente de cooperação e respeito, pois é de esperar que casos de indisciplina surjam sempre. Mesmo com a equipe capacitada para agir de forma mais confiante em relação ao problema, sempre haverá novos professores e alunos, que precisarão de tempo para se adequar a essa maneira de encarar os conflitos.

Estimular a autonomia 
Às vezes, os alunos agem de forma indisciplinada para demonstrar que alguma regra não funciona. Em alguns casos, eles querem chamar a atenção para as próprias ideias. Ao conviver num ambiente pautado pelo respeito e pela negociação das normas, os estudantes aprendem a tomar decisões responsáveis.

Publicado em GESTAO ESCOLAR, Edição 004, Outubro/Novembro 2009. Título original: Estratégias para vencer a indisciplina

Fonte:http://gestaoescolar.abril.com.br/formacao/entender-para-resolver-indisciplina-comportamento-gestao-conflitos-521061.shtml
Acessado em 24/09/2015

Não busque culpados, mas sim as causas para a indisciplina

Não busque culpados, mas sim as causas para a indisciplina

 | Direção - Maura Barbosa

Foto: Shutterstock
Quem é o responsável pela indisciplina do aluno em sala de aula: o diretor ou o professor?
Claudiana Rabelo, de Custódia, Pernambuco
Boa – e complexa – pergunta! Há muita coisa em jogo quando tratamos desse tema. Seria fácil resolvê-lo se entendêssemos que a indisciplina pode ser enfrentada com ações pontuais e imediatistas – como colocar o aluno de castigo, tirá-lo de dentro da classe ou dar a ele uma advertência. Mas esse não é o caso.
Enfrentar a indisciplina exige um conjunto de estratégias que devem ser discutidas, planejadas e colocadas em prática pelos gestores e pela equipe docente, levando em conta que o mais importante é lidar com a causa do conflito e não apenas atribuir culpa e impor punições. Sendo assim, uma das ações é justamente proporcionar a reflexão sobre as atitudes dos estudantes. Isso pode acontecer em espaços instituídos como as assembleias de classe, nas quais as crianças e os jovens tenham voz, sejam respeitados e aprendam a respeitar, negociar soluções justas e tomar decisões responsáveis.
Aliás, o trabalho com valores é um dos pilares de qualquer projeto para lidar com a indisciplina. Por meio dele, a garotada tem a oportunidade do exercício de práticas favoráveis à construção de princípios morais como a cooperação, a solidariedade, a justiça e a generosidade, que devem marcar as relações interpessoais. E isso só ocorre se todos forem corresponsáveis pela criação e manutenção de um clima escolar de qualidade.
Aspectos físicos e organizacionais também devem ser considerados. Um espaço organizado e limpo, que conte com materiais pedagógicos e mobiliário adequados às faixas etárias e às demandas, inclusive de aprendizagem, dos alunos é importante para que eles se sintam acolhidos e respeitados. Da mesma maneira, assegurar o cumprimento da carga horária, incentivar o uso de todos os ambientes – pátio, biblioteca, laboratório de informática etc. –, cuidar da relação com professores e funcionários são iniciativas que devem ser lideradas pela equipe gestora e que contribuem para um clima escolar de qualidade, um fator que impacta diretamente na redução dos conflitos.
É essencial também que, assim como os alunos, professores e funcionários tenham espaços para ouvirem e serem ouvidos, colocar em discussão o seu fazer e os resultados obtidos com base no seu planejamento, trocar experiências, analisar as possíveis causas da indisciplina e compartilhar as dificuldades e as soluções encontradas.
Por fim, diretor e coordenador, juntos, devem planejar uma formação continuada que dê subsídios para os docentes lidarem com a indisciplina e repensar sua prática. Isso inclui pensar coletivamente nos critérios de atribuição de aulas e na formação das turmas, antecipando as necessidades das turmas e as adequando à experiência e ao domínio de cada educador.

Fonte: http://gestaoescolar.abril.com.br/blogs/na-direcao-certa/2015/09/23/responsabilidade-pela-indisciplina-e-de-todos/
Acessado em 24/092015

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O gestor escolar como líder

O gestor escolar possui uma vasta gama de responsabilidades: manter as contas da instituição em dia, cuidar do bom relacionamento entre todos os colaboradores, garantir uma aprendizagem de alto nível para os alunos, manter uma conexão com os pais e responsáveis pelas crianças, entre outras. Mas um dos aspectos da gestão educacional de excelência que mais demanda empenho do diretor é a manutenção de uma equipe escolar de qualidade, motivada e focada no melhor desempenho possível, independentemente de sua esfera de atuação (pedagógica, administrativa, financeira, de segurança, de manutenção e limpeza etc.).
Para isso, é de grande importância que o gestor não se limite a ser um chefe, mas que se torne um líder na escola. “O chefe costuma ter uma postura muito autoritária, considera que o funcionário tem que fazer o serviço bem feito, pois há muitas outras pessoas querendo a vaga dele. Além disso, aponta erros e procura culpados. Os méritos são dele, não admite o erro, acha que já sabe tudo, prevalece a cultura do medo e o ditado: ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’”, explica Erik Penna, consultor, palestrante e especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica. Para ele, “o líder consegue o respeito da equipe, conquistado junto a seus comandados por sua postura ética e seus bons exemplos. Ele se caracteriza por ser um motivador da equipe, com uma linha de atuação mais participativa”. Penna destaca que o gestor líder aprende e se aprimora com os erros, buscando sempre soluções e não culpados. Esse profissional divide responsabilidades e conquistas com toda a equipe, reconhecendo o desempenho de cada integrante.
Para Luiza Helena da Silva Christov, professora da Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (Unesp) e doutora em Educação, enquanto o chefe muitas vezes só alcançou o cargo em que está porindicação, o líder é uma figura amplamente respeitada e que orienta seus colegas e colaboradores, gerando engajamento maior e mais eficiente por parte de sua equipe. “É uma pessoa que escuta e respeita o que dizem os liderados, identifica conflitos entre as pessoas do grupo e procura enfrentá-los, sem ignorar e sem acirrar os fatores de desentendimento. O líder motiva positivamente a equipe e valoriza a contribuição de cada um, delega autonomia para execução das tarefas e avalia e cobra os resultados esperados”, atesta Luiza. Para motivar a equipe, Penna relembra a opinião do psicólogo David McClelland, especialista no assunto: “A motivação é algo intrínseco, ou seja, de dentro para fora. Cabe ao líder criar um ambiente motivador para que o próprio colaborador se automotive. Fatores como desafios constantes, reconhecimento, elogios, possibilidades de crescimento profissional e um bom clima organizacional favorecem o crescimento dos números e resultados”, complementa.
Formação continuada
Uma equipe motivada resulta em trabalho de alto nível dentro da escola. Para melhorar cada vez mais esse trabalho, ambos os especialistas acreditam no papel do gestor líder como fator propulsor da formação continuada. Tanto Luiza quanto Penna afirmam que o gestor deve estar atento às possíveis dificuldades e aos defeitos dos profissionais que atuam na instituição, de modo que cabe a ele sugerir (e providenciar) uma capacitação extra. “Identifique as dificuldades das pessoas da equipe e programe, em conjunto com o que precisa, ações de superação. Programe também ações com agenda permanente para toda a equipe e ações eventuais para necessidades que surjam mais pontualmente”, diz a docente da Unesp.
O consultor Erik Penna também acredita na liderança por meio do exemplo – um gestor que vive em constante atualização influencia sua equipe a se atualizar também – e em capacitações divertidas e atraentes: “Palestras interativas, alegres e comportamentais têm sido tendência, pois elas são tão importantes como as formações puramente técnicas. Como já dizia o educador Paulo Freire, ‘a educação necessita tanto de formação técnica como de sonhos e utopia’”.
Dia a dia
A atuação no dia a dia do gestor também é essencial no engajamento da equipe escolar, tendo em vista um trabalho de alta qualidade. “[O gestor] deve ser atento ao que foi planejado, mas flexível o bastante para atuar diante do imponderável. É preciso organizar uma rotina que contemple a articulação entre burocracia e gestão do pedagógico, de forma que o burocrático não sufoque o objetivo essencial da escola, que é favorecer aproximação criativa ao conhecimento por parte de todos: de alunos, professores, gestores, funcionários e famílias”, explica Luiza.
Penna destaca a importância do lado mais humano do gestor. “Ele precisa ser um grande gestor de pessoas, que ensina, inspira e transforma pessoas e resultados. Atualmente, o gestor educacional de alta performance sabe que é preciso identificar as peculiaridades de cada comunidade escolar para saber propor soluções diferenciadas e específicas para cada região ou escola”, esclarece Penna.

Fonte:http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/especiais/equipe-de-valor/1139-o-gestor-escolar-como-lider
Publicado em 12 Maio 2015
Acessado em 21/09/2015

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Quando a educação avançada por tribunais

Para que as relações escolares sejam bem-sucedidas, os gestores devem estar muito atentos ao cumprimento da legislação educacional. Entretanto, vários motivos – muitos decorrentes do desconhecimento da legislação e da desobediência desta – têm levado pais à Justiça para garantir a efetivação das leis que impactam o dia a dia escolar dos filhos. Especialistas defendem a necessidade de maior preocupação com a vulnerabilidade das crianças e dos jovens na escola, desde o furto de bens dos alunos – como celulares, tablets e notebooks – ocorrido durante o período de aulas até riscos à integridade e à vida ocasionados por ocorrências diversas.
Hoje o acesso dos pais de alunos à informação facilita a compreensão de seus direitos. Na igualdade de condições de acesso, por exemplo, muitas instituições têm sido levadas a situações nas quais a Justiça tem feito intervenções no espaço e na organização escolar. “Com o advento da internet, os pais estão mais cientes de seus direitos e mais próximos dos atos normativos e das leis”, diagnostica a professora Sônia Maria Aranha, diretora do Centro de Estudos Prospectivos de Educação e Cultura (CentrodEstudos). Ela ainda acrescenta que os custos dos processos estão mais baratos e a Defensoria Pública mais acessível.
Esses conflitos podem acontecer em qualquer escola, pública ou particular, mas os gestores de ambas não podem ignorá-los. “São situações que demandam cuidados internos, planejamento e ações de contingência, normalmente pouco consideradas pelos gestores educacionais. O profissionalismo da instituição, a transparência no trato com alunos e contratantes e a observância estrita das normas – jurídicas, de engenharia, de comportamento – já são um bom começo, mas certamente a escola precisará de um time de colaboradores especialistas em cada ramo para orientar, assistir e preparar a execução do serviço educacional e administrativo”, avalia Célio Müller, advogado e consultor nos segmentos empresarial e educacional, além de colunista da revistaGestão Educacional.
Os temas que mais preocupam os gestores em relação à judicialização das relações escolares, de acordo com Sônia, são o tratamento escolar condizente com necessidades educacionais especiais dos alunos – tanto do ponto de vista educacional quanto da perspectiva da inclusão –, a recusa ou o indeferimento de matrícula para criança ou adolescente com deficiência e as brigas ou os acidentes no interior da escola. Outros temas importantes, como data de corte para o ingresso no 1º ano do ensino fundamental, retenção de documentos escolares em função de inadimplência e prática de bullying no interior da escola foram também destacados pela professora Sônia durante a segunda edição do Encontro Paulista sobre Judicialização das Relações Escolares, realizado em abril pelo CentrodEstudos, que reuniu especialistas da área de direito educacional, diretores e mantenedores de escolas particulares da capital e do interior paulista, de Mato Grosso e representante da Secretaria de Educação do Município de Uberaba (MG) .
A advogada Simoni Lopes de Sousa, especializada na área educacional, ressalta que são várias as obrigações da escola quando se trata de acesso à educação e respeito aos direitos humanos. “Elas estão claramente dispostas na lei e influenciam direta ou indiretamente todo o contexto social”, afirma. Entre esses deveres, não há espaço para discriminação de qualquer espécie e condutas ou práticas que exponham ou constranjam os alunos, o que repercute inclusive em suas famílias. Quanto ao direito do aluno a uma avaliação justa, a advogada Claudia Hakim, também especializada na área, lembra que o aluno pode discutir os critérios de avaliação da prova aplicada, e a escola deverá promover o desenvolvimento pessoal e educacional dos alunos, com o intuito de obter acesso ao nível mais elevado de ensino, segundo as suas capacidades.
Confiança
“A responsabilidade civil das instituições é questão que leva grande volume de alunos e familiares a demandar no Judiciário. Mesmo descontando os frequentes exageros, é evidente que há fragilidade das escolas, em geral, no aspecto preventivo de danos”, avalia Célio Müller. O advogado ressalta que têm sido comuns queixas a respeito da qualidade dos serviços prestados. “Sem entrar no mérito da atividade efetivamente desenvolvida por cada escola, o que se destaca é o uso da prerrogativa de consumidores para reclamações no Procon ou nos Juizados Especiais, antigamente chamados de ‘pequenas causas’. Se não são demandas capazes de fechar uma escola por serem de valor reduzido, assim mesmo trazem desestabilização na credibilidade e podem impor prejuízos maiores quando há comunicação entre os pais e os alunos, acarretando a multiplicação das queixas”, alerta Müller.
Ao mesmo tempo, há desafios financeiros, como contratantes que contestam valores de mensalidade, encargos, índices de reajuste e diferenças.  “Como se não bastasse a inadimplência que atinge as tesourarias escolares, esse tipo de reclamação também diminui a confiança do público e pode comprometer os procedimentos de cobrança”, observa o especialista.
Legislação educacional
Capacitar a equipe da escola para estar atenta à legislação é fundamental para evitar problemas mais sérios no futuro. “Hoje o professor entra em sala de aula intimidado, ali há uma terceira pessoa, ainda que não se veja, que permeia a relação escolar: o Estado-juiz. Se acionado para intervir no conflito de interesses, ditará as regras a serem seguidas na escola, visto que as partes, escola e família, foram incapazes de se compor”, explica Maria de Jesus Carvalho Lourenço, advogada especializada em direito escolar. Ela recomenda que a escola realize cursos, busque formas de se atualizar e contrate profissionais especializados em assessoria jurídica educacional, para garantir um ambiente escolar saudável a todos que ali convivem.
Maria Cristina Reali Esposito, presidente da Comissão de Direitos à Educação e Informação da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), reforça a importância de não só a infraestrutura da escola oferecer condições para recepcionar o aluno, mas também a necessidade de o preposto se preparar para lidar com as variadas situações do aluno e diferenças de classes sociais, religião etc. Ela explica que a falta de qualidade ou o “defeito” na prestação de serviços educacionais contrariam os preceitos legais do Código de Defesa do Consumidor e podem ser a causa de acidentes de consumo – como casos de crianças que se afogaram em piscinas ou acidentes ocorridos por colegas de turma portarem arma de fogo – situações em que, além de responder com ação civil indenizatória, o representante legal também responderá por ação criminal pela conduta culposa.
Apesar de a escola e a família terem papéis que devem ser complementares, mas distintos, Maria Cristina destaca que cada vez mais as relações familiares estão distantes, com a terceirização da educação dos filhos ao educador. Segundo ela, hoje o professor do ensino fundamental, além de se preocupar com o conteúdo pedagógico – esse sim papel central da escola –, acumula papéis de outras áreas, como conhecer os aspectos nutricionais durante  a merenda escolar. Para ela, esse é outro problema, o qual também sobrecarrega o docente e aumenta as exigências em relação ao profissional da educação – que deve ser tratado na esfera dos direitos trabalhistas. “Exige-se do profissional formação multidisciplinar para lidar com o cotidiano escolar, em que, a cada dia, as escolas recepcionam alunos com histórico de violência, reproduzindo práticas de bullying, preconceitos etc., e o educador deverá ter um papel laico e dirimir os conflitos que surgem nas relações entre os alunos”, diz Maria Cristina, que acrescenta: “Há também os casos de conflitos entre os pais diante dos conflitos que envolvem seus filhos, com reações violentas entre si, professores e direção da escola”.
Diante dessa situação, como é possível o gestor estreitar a relação com a família e dar conta de leis, decretos e resoluções? A princípio, esse gestor nãoé obrigado a interpretar e conhecer todo o vasto ordenamento e regramento jurídico civil, comercial, educacional etc., explica a advogada Simoni. Porém, é seu dever manter as normas internas, os contratos e as condutas profissionais de sua escola em harmonia com a legislação. “Para isso, ele não deve medir esforços, seja por meio do investimento e do incentivo na capacitação e na qualificação de seus funcionários, seja por meio da assessoria permanente em direito educacional”, orienta.
Antes de tudo, é necessário que o gestor tenha em mente que, a partir do momento que o aluno está dentro do estabelecimento de ensino, a sua integridade física e moral é responsabilidade da escola. A assessoria jurídica pode ser direcionada de várias formas, de acordo com as necessidades da escola. “Algumas vezes, pode ser por meio da advocacia colaborativa, [conhecida como] International Academy of Collaborative Professional (IACP),ou pela mediação de conflitos ou, ainda, por meio de orientações e instruções de caráter preventivo. As escolas trazem consigo a ideia errônea de que a assessoria jurídica educacional é desnecessária ou cara, mas se esquecem de que a prevenção é a maneira mais adequada de evitar prejuízos no erário e máculas no nome da instituição de ensino”, diz Simoni.
O diálogo entre a família e a escola é sempre a melhor solução. “O advogado da área da educação poderá mostrar à escola que o jeito de agir da instituição em relação a determinado assunto não está correto, assim como pode demonstrar aos pais que o que eles consideram como direito não procede”, aconselha a advogada Claudia Hakim.

Os temas que mais preocupam os gestores
A seguir, acompanhe os comentários e as orientações da especialista Sônia Maria Aranha sobre os temas que mais geram preocupação entre os gestores em relação à judicialização das relações escolares.
Tratamento escolar condizente com necessidades educacionais especiais dos alunos
O aluno que apresenta necessidades educacionais especiais (dislexia, transtorno de déficit de atenção com ou sem hiperatividade – TDAH –, autismo, deficiência auditiva, Síndrome de Down, Síndrome de Asperger etc.) necessariamente deve ser submetido a um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI), que apresenta atividades, conteúdos e estratégias pedagógicas condizentes com a característica do aluno.
Recusa ou indeferimento da matrícula para criança e adolescente portadores de deficiência
A escola deve se preparar para atender a todos os alunos, sem exceção, com necessidades especiais. Precisa contratar profissional com formação em educação especial, auxiliares e atender aos quesitos de acessibilidade em sua edificação, tais como rampas, barras nos banheiros etc. Ela também precisa incluir esses gastos em sua planilha de custos para que sejam rateados com todos os pais. Não é permitido cobrar taxa extra do pai de criança com necessidade educacional especial.
Brigas ou acidentes no interior da escola
A escola é responsável pela guarda da criança e do adolescente. Assim, nos horários de entrada e de saída e no intervalo, que são os mais propícios a incidentes, devem ser tomados cuidados para se evitar brigas entre os alunos ou acidentes. Intervalos assistidos por monitores com opção de atividade recreativa é uma boa saída. Isso também pode ocorrer na entrada e na saída. Crianças e adolescentes ociosos representam um “prato cheio” para brigas. Intervalo com atividades recreativas e monitoria evita corre-corre, quedas e empurrões.
Data de corte para o ingresso no 1º ano do ensino fundamental e para etapas na educação infantil
Adata de corte não pode ser evitada porque é determinada por ato normativo e deve ser cumprida na escola. Nesse caso, a Justiça entra em ação com a Secretaria de Educação, e a escola nada pode fazer. Mas a escola pode observar se não há matrícula de forma irregular, sem observância à data de corte. Ou seja, a secretaria da escola tem que estar atenta à data de nascimento da criança e orientar o pai a buscar a Justiça. Ao receber um mandado de segurança, a escola deve cumpri-lo, sob pena de prisão.
Retenção de documentos escolares em função de inadimplência
A escola deve entregar os documentos escolares para transferência de todos os alunos, mesmo para aqueles que estão inadimplentes, segundo o artigo 6º da Lei Federal n. 9.870/1099 – lei da mensalidade escolar. A escola é proibida de reter documentos escolares para transferência mesmo que haja inadimplência. São proibidas ainda a suspensão de provas escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber a ele, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor e com os artigos 177 e 1.092 do Código Civil brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de 90 dias.
Bullying praticado por um ou mais alunos contra outro, no interior da escola
Para evitar o bullying, é recomendado que a escola elabore um projeto educativo que construa os conceitos de diferença, diversidade, respeito, tolerância e ética e que envolva a educação infantil(creche e pré-escola), o ensino fundamental(do 1º ao 9º ano), o ensino médio e todos os componentes curriculares de forma interdisciplinar. Somente com uma política pedagógica da diversidade e inclusão de longo prazo é que se pode evitar o bullying.

Fonte:http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/gestao/791-quando-a-educacao-avanca-por-tribunais
 Publicado em 12 Agosto 2014
Acessado em 16/09/2015

Escolas também são responsáveis por bullying


Uma escola do Rio de Janeiro foi condenada judicialmente a pagar R$ 35 mil, no ano passado, por danos morais à família de uma ex-aluna vítima de bullying, por agressões que ocorreram em 2003. O episódio não é um caso isolado no Brasil. Já existe uma jurisprudência crescente no sentido de responsabilizar tanto a instituição de ensino quanto a família do agressor, menor de idade, por não ter tomado medidas suficientes para evitar ou lidar com o problema. Diante desse cenário, as escolas não têm mais como ignorar o bullying. Para prevenir as agressões e construir uma cultura de paz, na opinião dos especialistas, não basta apenas instituir regras ou punições, é preciso compreender melhor esse fenômeno social, suas causas e a importância do processo educacional no aprendizado da convivência.

Antes de mais nada, é necessário saber identificar o bullying. Segundo a pedagoga Telma Vinha, doutora em Educação e professora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisadora na área de Relações Interpessoais e Desenvolvimento Moral, o termo é utilizado para designar atos agressivos entre os estudantes, e sua prática apresenta mais de uma característica típica. Os aspectos principais relacionados ao bullying são quatro: há intenção do(s) autor(es) em ferir; são atos repetidos contra um ou mais alvos constantes; há uma espécie de concordância no alvo sobre o que pensam dele (por isso há crianças obesas que são alvos e outras não) e há um público que prestigia as agressões – os ataques são escondidos dos adultos mas nunca dos pares. “Vale a pena destacar que esses espectadores alimentam o problema, dando poder, prestígio [ao autor], por compactuarem com o que ocorre. Muitas vezes, este público participa com risos e olhares, mantendo a imagem de que isto é divertido e que pertence ao grupo dos mais poderosos ou, pelo menos, não faz parte do grupo dos mais “fracos”. Há também o medo de se tornar a ‘próxima vítima’. É preciso ficar do ‘lado do mais forte’”, ressalta Telma.

Mesmo quando às vezes tomam conhecimento do problema, algumas escolas não agem para tentar solucioná-lo; preferem fazer de conta que nada está acontecendo. Foi o caso das instituições de ensino públicas e privadas pelas quais passou Alexandre Saldanha, vítima de bullying durante toda a infância e adolescência, que acabou se tornando advogado e dedicando sua vida profissional e acadêmica ao combate desse tipo de violência. Saldanha conta que por ter sido uma criança “gordinha” e com limitações motoras devido a sequelas de uma hemiparesia direita, decorrente de seu nascimento prematuro, sofria com gozações perversas por parte dos colegas, que o levaram ao isolamento. Quando criou coragem para quebrar o silêncio, não obteve apoio. “As direções das escolas assumiram uma política corporativa, encobrindo o fato e afirmando que aquela situação se tratava de uma brincadeira de criança e, por isso, nada podiam fazer”, relata.

Do ponto de vista legal, o bullying – com essa denominação – não é crime, porém já existe uma proposta, que faz parte do projeto de reforma do Código Penal, para criminalizar a prática e instituir pena de um a quatro anos de prisão. Entretanto, atualmente, tanto as escolas quanto os professores e as famílias dos agressores podem ser responsabilizados pelas consequências do ato e condenados a pagar indenizações às vítimas por danos morais, como vem acontecendo e sendo noticiado pela mídia cada vez com mais frequência, com base em dispositivos do Código Civil, da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Como o bullying acontece dentro das dependências do estabelecimento de ensino no período de estadia dos educandos, vê-se a figura da responsabilidade das escolas pelos danos causados pelos seus alunos entre eles ou a terceiros”, afirma Alexandre Saldanha, que atualmente mantém um blog sobre bullying e Direito.

No caso do cyberbullying, em que as agressões ou ofensas acontecem no meio virtual, a responsabilidade só pode ser atribuída também à escola se o aluno usar o computador da instituição de ensino para o seu ataque aos colegas. Caso o problema ocorra fora da escola, são os pais ou responsáveis que terão que arcar com as consequências dos atos do filho menor de idade.

Conscientização

Ainda é difícil precisar a gravidade do bullying no Brasil. O estudo Bullying no Ambiente Escolar, realizado pela organização não governamental Plan Brasil, voltada para a defesa dos direitos da infância, revelou que o ato foi praticado e sofrido por 10% dos alunos pesquisados. Nesse estudo, denominou-se bullying a agressão a uma mesma pessoa superior a três vezes durante o ano letivo. Participaram da pesquisa, concluída em 2010, 5.168 estudantes, além de pais, responsáveis, professores e gestores de instituições nas cinco regiões do País. Já em um estudo feito em 2009 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), , quase um terço dos alunos respondeu já ter sofrido bullying alguma vez na vida.

Com a exploração crescente do tema pela mídia, muitas vezes sem as informações adequadas, não é incomum que exista uma confusão entre o que faz parte dos conflitos naturais do processo de convivência na infância e adolescência e o que pode ser configurado como bullying. Por causa dessas distorções, problemas que deveriam ser tratados no âmbito escolar estão indo parar nos fóruns e nas delegacias. É com o intuito de diminuir essas ocorrências que o Centro de Apoio Operacional (CAO) da Infância e Juventude do Ministério da Justiça de Santa Catarina desenvolve desde 2010 a campanha Bullying, isso não é brincadeira. O programa integra as ações de uma lei antibullying, aprovada no Estado de Santa Catarina em 2009. “Percebemos que havia um grande número de crianças e adolescentes que eram apontados como autores de ato infracional quando, na verdade, haviam praticado uma infração disciplinar. Assuntos que deveriam ser resolvidos dentro da escola estavam sendo judicializados”, explica a promotora de Justiça e coordenadora do CAO da Infância e Juventude, Priscilla Linhares Albino. Segundo a promotora, muitas vezes coisas simples como um empurrão ou o uso de um apelido, em episódios esporádicos, estavam sendo confundidos com atos infracionais. Priscilla ressalta que todos os comportamentos inapropriados devem ser observados pelos responsáveis nas escolas; entretanto, isso não significa que essas ações possam ser classificadas como bullying.

Para esclarecer a comunidade escolar, foram desenvolvidos e enviados materiais sobre o tema para todas as instituições de ensino catarinenses. O Ministério da Justiça também promoveu palestras para professores, psicólogos e assistentes sociais. Depois da campanha, segundo Priscilla Albino, houve uma mudança no comprometimento das escolas e dos educadores, além da redução do número de casos encaminhados para a Justiça.

Formação e prevenção

Para combater o bullying, não basta punir o culpado. Aliás, muitas vezes o autor da prática também já foi vítima de violência. Para ter resultados efetivos e consistentes, as escolas precisam atuar nas causas, buscando compreender melhor o contexto educacional. “As medidas punitivas sugeridas são controversas e humilhantes, podendo acarretar sentimentos de raiva e vingança posterior. Além disso, fazem com que o autor ‘quite o débito’, não possibilitando a tomada de consciência do alcance dos seus atos”, alerta Telma Vinha. A pedagoga destaca a importância de investir na qualidade das relações interpessoais, a partir de um exercício de resolução de conflitos cotidianos, e da realização de um trabalho em que os alunos desenvolvam o autorrespeito e, consequentemente, o respeito pelo outro. Telma não acredita que propostas focadas apenas no estabelecimento de regras e deveres contribuam para uma convivência ética e saudável (veja no quadro suas propostas para um trabalho antibullying).

O advogado Alexandre Saldanha também não aposta no modelo punitivo tradicional como forma de evitar o bullying. Saldanha propõe o uso de uma forma alternativa à justiça comum. “A justiça restaurativa promove o diálogo entre as partes envolvidas em agressões, sem prévios julgamentos de quem está certo ou errado. Todos são ouvidos igualmente e, da mesma forma, são envolvidos em torno do comprometimento de solucionar pacificamente o conflito”, observa.

Para Nei Alberto Salles Filho, professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR) e coordenador do Núcleo de Estudos e Formação de Professores em Educação para a Paz e Convivências (NEP), o bullying é apenas parte de uma situação muito mais ampla e complexa. “Embora seja um problema sério, é o que podemos chamar de ‘ponta do iceberg’ de um processo de falta de respeito, intolerância, de total identificação com o outro; ou, dito de outra forma, o bullying é o resultado da falta de um clima escolar acolhedor e relações de convivência positivas”, resume. Nei Salles acredita que o contexto em que as crianças e os adolescentes estão crescendo, observando muitas vezes adultos violentos, competitivos e intolerantes na família, no trânsito e até nas escolas, influencia esses comportamentos. Para lidar com essa realidade, o professor da UEPG defende a formação ampliada dos docentes, de modo a capacitá-los para perceber a complexidade do processo educacional. O trabalho do NEP, segundo o coordenador, baseia-se nos processos de restauração dos valores humanos, mediação de conflitos, qualificação das convivências escolares e fortalecimento da gestão educacional voltada à educação para a paz, que são colocados em prática pelos professores em suas instituições de ensino depois do curso.

A escola não é a única responsável pelo trabalho de ensinar a boa arte da convivência. A família, como agente da socialização primária, exerce papel fundamental no aprendizado do viver em sociedade. Mas, para a professora da Unicamp, o fracasso da família nessa tarefa não implica no mesmo resultado pela instituição de ensino, onde acontece a socialização secundária. “A escola não pode depender do bom desempenho da família para educar seus alunos para a vivência em uma sociedade democrática e contemporânea e nem esperar receber alunos ideais como pré-requisito para ter êxito em sua tarefa. Aliás, as crianças que apresentam dificuldades provavelmente decorrentes do ambiente familiar são as que mais precisam do apoio da escola para se inserir socialmente”, defende Telma Vinha.

Fonte: http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/comportamento/131-escolas-tambem-sao-responsaveis-por-bullying
Publicado em 16 Abril 2013
Acessado em 16/09/2015

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Escola preparada para a Educação 3.0


Na tecnologia, quando um programa de computador ou um aplicativo recebe uma atualização, esta é designada geralmente por um número: 1.0, 2.0, 3.0 etc. Isso significa que o software em questão teve eventuais erros corrigidos e também recebeu melhorias. Com a crescente digitalização da sociedade, esse tipo de nomenclatura (antes resignada à área da informática) acabou sendo adotada por outros campos e também pela educação. Em 2007, o professor Derek Keats, da Universidade de Witwatersrand, de Johanesburgo (África do Sul), cunhou o termo Educação 3.0 para definir o processo de ensino que faz intenso uso das novas tecnologias e o impacto do aprendizado colaborativo e personalizado que surgiu com a crescente disseminação da internet, a reutilização de conteúdos de aprendizagem e o reconhecimento desse aprendizado por meio de métodos formais ou informais. A Educação 3.0, portanto, não se trata apenas da utilização de computadores, tablets e smartphones no cotidiano da escola. É preciso ir além. O professor norte-americano Jim Lengel, da Universidade de Nova Iorque, define, em um artigo publicado em seu próprio site, seis grandes metas que a Educação 3.0 estabelece para as escolas: os alunos devem trabalhar em problemas que valham a pena resolver; alunos e professores produzem em conjunto; os estudantes desenvolvem pesquisas autodirecionadas; eles aprendem como contar uma boa história; estudantes empregam ferramentas apropriadas para a tarefa; e os alunos aprendem a ser curiosos e criativos. Estabelecidos esses objetivos, como a escola pode “evoluir” e adotar plenamente a Educação 3.0?

Para Luciana Allan, diretora do Instituto Crescer para a Cidadania, especialista em Tecnologias Aplicadas à Educação e colunista da Profissão Mestre, o pontapé inicial desse processo está em repensar a pedagogia, uma vez que as tecnologias são apenas o estopim para que ele ocorra, e não apenas a única mudança necessária. “É chegado o momento em que a gente precisa rever o trabalho que estamos fazendo na escola. Não dá mais para a gente pensar e organizar as práticas educacionais conforme um processo de ensino que foque na transmissão de conteúdo”, afirma Luciana, que defende o foco no ensino de competências como chave para esse novo projeto pedagógico. “Quando falamos de competências e habilidades, não falamos somente de competências básicas, aquelas que já são valorizadas há muito tempo, como leitura, escrita, raciocínio lógico, busca de informações e trabalho em equipe. Essas eu já considero tradicionais, mais do que necessárias, mas hoje temos uma série de outras competências que precisam ser desenvolvidas no aluno e precisamos de tempo para fazer isso: para trabalhar a criatividade, o empreendedorismo, a inovação etc.”, explica.

Concomitantemente a isso, é necessário também entender quem está sentado nas salas de aula, ou seja, os novos alunos chamados de nativos digitais. É isso que defende Romero Tori, engenheiro e professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Centro Universitário Senac de São Paulo. “É preciso ouvi-los. Há escolas que já saíram na frente e criaram comissões de alunos que opinam sobre os processos pedagógicos, dão feedback sobre os métodos usados pelos professores e ajudam a incorporar a tecnologia no dia a dia do aprendizado”, exemplifica Tori. O professor também defende a revisão do projeto pedagógico da escola, mas destaca a capacitação dos professores para lidarem tanto com as novas tecnologias como com as novas práticas. “Formação de professores é importante, mas não da forma como se tem feito. Ensinar novas tecnologias aos professores é como enxugar gelo.
Assim como sabemos da importância de ensinar nossos alunos a aprender, os professores precisam ser capacitados para assimilar as novas tecnologias sozinhos, o que não significa dominá-las totalmente”, diz o educador. O professor Carlos Eduardo Querido, especialista em Educação e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e diretor dos colégios integrados Oswaldo Cruz-Pais Leme e da Escola Técnica Oswaldo Cruz, também acredita que “o grande desafio é a formação da equipe docente, porque são os professores que vão conduzir todo esse processo”.

Outro ponto levantado por Querido é a sensibilização e a conscientização da comunidade, algo que, na opinião do educador, irá contribuir consideravelmente para a escola adotar esse novo modelo pedagógico. “Se a comunidade entende o que significa dar esse salto tecnológico e acompanhar as mudanças que acontecem na sociedade – e a escola faz parte dela –, esse é um dos principais pontos”, afirma. Entretanto, o que ainda se observa são instituições que se esforçam bastante para compreender esse cenário ainda inédito no ensino e, consequentemente, que se apegam ainda aos métodos e aos modelos antigos. “Se a gente for usar a terminologia tecnológica novamente, podemos dizer que algumas escolas, no uso da tecnologia, ainda são escolas 1.0; as famílias estão caminhando para uma fase 2.0; e os alunos já são nativos digitais, já são 3.0”, resume o diretor dos colégios Oswaldo Cruz. Para Luciana, esse choque é um procedimento momentâneo pelo qual as escolas precisam passar, pois se trata de um movimento ainda muito recente. “Até muito pouco tempo, o ensino que fazia sentido era o da educação bancária: todo mundo aprendendo a mesma coisa, ao mesmo tempo. Todo o processo de ensino era baseado no livro didático. Toda pesquisa que você tinha que fazer era com base em enciclopédias, revistas, jornais. Todo esse processo de pesquisar pela internet é muito novo. Há quanto tempo temos a internet disponível com uma qualidade melhor, com uma gama mais ampla de conteúdo? Estou falando de cinco anos para cá. A sociedade ainda está mudando, se adaptando e encontrando o seu ponto de equilíbrio, e na educação não é diferente”, explica a especialista.

Na sala de aula...

Depois da sensibilização e do preparo efetivo dos educadores, como fazer bom uso das tecnologias e dessa nova pedagogia? O ideal, segundo os especialistas, é dar liberdade para o professor utilizá-las. “Basta permitir e viabilizar, além de capacitar. A partir daí, com a evolução e a renovação do projeto pedagógico, naturalmente a internet passará a ser cada vez mais incorporada ao ferramental dos professores”, defende Tori, que também acredita em exemplos de sucesso para popularizar o uso das ferramentas: “O efeito exemplo (colegas bem-sucedidos incentivam os próximos a também adotarem) contribuirá para a adoção cada vez maior desses recursos”. A opinião do professor da USP também é apoiada por Querido, que destaca como esse trabalho da Educação 3.0 tornou-se necessário aos professores. “É o professor que vai definir o melhor momento para fazer uso da internet. O importante é percebermos que não dá para trabalhar sem fazer o uso dela”, complementa.
Luciana Allan ressalta que, sem um bom planejamento, nenhuma atividade com os computadores e tablets será bem-sucedida. “As atividades têm que ser muito bem planejadas, os alunos têm que ter de forma muito clara os objetivos naquele momento. Eles têm que desenvolver um trabalho com tempo definido, com um desafio muito claro, e aí se envolver e pesquisar o que for necessário. Se você coloca objetivos muito claros, delimitadores de tempo, e os desafia, os alunos não vão fazer o que não devem”, explica a diretora do Instituto Crescer, que também aponta um novo papel do professor dentro da sala de aula: o de mediador do conhecimento, e não o de mero instrutor. “A tendência é que cada vez mais ele seja moderador de um processo de aprendizagem. É ele quem dá o direcionamento, quem instiga, orienta, ajuda a avaliar a confiabilidade de uma informação, faz aquelas perguntas capciosas para os alunos, instigando-os a pensar mais sobre o assunto”, considera Luciana. Ela também cita o movimento bring your own device (em português, traga seu próprio dispositivo), tendência que já existe no exterior, em que os alunos trazem seus notebookstablets e smartphones em vez de usarem os equipamentos da escola. “Se o aluno tem, por que ele não pode usar?”, questiona.

Outro ponto levantado pelos três educadores é a necessidade de ensinar para os alunos como pesquisar na internet e os riscos que uma navegação sem orientação e consciência pode trazer. “Fala-se muito da interatividade que a internet traz, da questão da colaboração. Isso é verdade, mas, ao mesmo tempo, nem tudo que está ali é interativo e educativo”, afirma Carlos Querido. Para o aluno ter esse discernimento, é papel do professor ensiná-lo, conforme diz Luciana. “Assim como você trabalha metodologia de pesquisa em livros e em outras mídias, você tem que ensinar o aluno a pesquisar na internet, tem que mostrar para ele quais são os buscadores, como se faz pesquisas mais eficientes, como se avalia a confiabilidade de uma informação, como se referencia no trabalho a pesquisa que você fez na internet, como que se registra essa ‘webliografia’ etc.”, elenca.

...e fora também

Reformular uma escola para adaptá-la à Educação 3.0 requer também medidas que a tornem mais presente como instituição na internet, uma vez que, conforme definição de Romero Tori, “trata-se do mais importante meio de comunicação que temos hoje. Já superou a televisão, o cinema, os jornais, o telefone e as bibliotecas”. Carlos Querido concorda e diz que “é praticamente impensável a gente não ter presença na internet, porque hoje ela se mostra um dos canais mais utilizados de comunicação e que permeiam a vida privada de cada um de nós”.
Para poder estabelecer uma comunicação eficiente na internet, no entanto, a escola deve planejar bem e pesquisar como e quais são os públicos para os quais ela deseja falar. “A escola tem que analisar, primeiro, quem são os seus públicos e aí pensar para cada um deles quais canais de relacionamento são possíveis de estabelecer com cada um deles e para aonde ela vai direcionar sua comunicação”, explica Luciana Allan. A diretora do Instituto Crescer cita algumas ações práticas que as escolas podem adotar para incrementar sua comunicação externa. “Para os pais, por exemplo, pode ser interessante uma comunidade fechada no Facebook, em que se possa passar informações sobre os eventos que a escola tem, contar um pouco sobre o trabalho que ela está fazendo, compartilhar fotos dos eventos dos alunos. Essa é uma ferramenta legal. Você pode criar grupos de trabalho dos alunos com os professores também”, afirma a especialista. As redes sociais também são destacadas por Tori como essenciais para melhorar a sensação de pertencimento e orgulho dos estudantes em relação à escola. “As redes sociais podem ser usadas para aumentar o engajamento dos alunos e de suas famílias. Com maior sentimento de pertencimento e maior sensação do impacto que seus projetos podem provocar em seu círculo de relacionamentos, o aluno sente-se mais motivado”, afirma o professor da USP.

Luciana também destaca uma ferramenta ideal para atrair novos alunos e suas famílias. “Para o público externo, de forma geral, há ferramentas como o Wordpress, em que você pode manter um canal de comunicação mais atualizado, diferente de um site estanque, pois ali dentro você pode atualizar informações sobre a rotina da escola que ajudam a dar visibilidade ao trabalho que a escola faz”, esclarece.

A pedagogia da Educação 3.0

Resolução de problemas que valem a pena

Isso não significa resolver as questões tradicionais que ocupam o tempo das aulas atualmente. Os alunos devem solucionar problemas que a sociedade precisa resolver para avançar. Eles precisam trabalhar em conjunto para estudar questões que sejam tanto de interesse público como acadêmico. Caso esse processo demande o aprendizado de algum conteúdo tradicional (como equações matemáticas ou fórmulas da física), os estudantes deverão aprendê-lo, mas não de maneira isolada, e sim inserida em um contexto maior.

Trabalho produtivo em grupo

Os alunos raramente trabalham sozinhos; geralmente, cada um é responsável por um aspecto do trabalho do grupo. Eles usam as ferramentas digitais de comunicação para colaborar com professores, especialistas e colegas ao longo do trabalho. Essa rotina se assemelha à dos adultos nos escritórios e laboratórios.

Pesquisas autodirecionadas

As pesquisas são direcionadas à resolução dos problemas já descritos e quase sempre são originais. Dificilmente um grupo estuda o mesmo tópico do ano anterior ou a turma toda pesquisa o mesmo assunto. As fontes de estudo também aumentam gradativamente por meio de arquivos e redes digitais.

Contação de histórias

Explicar, publicar, apresentar e convencer são habilidades importantes para todos os estudantes na Educação 3.0. Ao longo de toda sua carreira acadêmica, eles são obrigados a compor, preparar e expor ideias por meio de apresentações em público, reuniões e debates – tal qual no ensino superior e no mercado de trabalho.

Uso das ferramentas adequadas

Lápis e papel são coisas do passado. Em vez disso, os alunos agora devem usar ferramentas que sejam mais adequadas para a resolução dos problemas: computadores, calculadoras, dispositivos móveis (como smartphones tablets) etc. Aprender a trabalhar com programas de computador também é essencial.

Ser curioso e criativo

Em uma escola 3.0, curiosidade e criatividade são hábitos da mente e métodos de trabalho que precisam ser ensinados, praticados e incentivados em todas as áreas de ensino. Sem essas características, os estudantes encontrarão mais dificuldades para obter sucesso no ensino superior e no mercado de trabalho. O ideal é que todo dia os alunos terminem as aulas com uma sensação de fascínio sobre o que foi aprendido ao longo do dia.


Publicado em 16 Dezembro 2014
Acessado em 16/09/2015
Fonte: http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/gestao/973-escola-preparada-para-a-educacao-3-0

Fonte: Princípios da Educação 3.0, escrito por Jim Lengel. Disponível em:lengel.net/ed30/principles.html (texto em inglês).

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Dúvidas sobre o trabalho do diretor

Maura Barbosa responde questões sobre o trabalho do diretor

A consultora de GESTÃO ESCOLAR esclarece dúvidas sobre o trabalho do diretor

Quais são as principais competências do diretor?
SANDRA MELOTTO, Machado, MG
Ele responde pela escola nas esferas pedagógica, jurídica e judicial. Portanto, é quem assina embaixo de todos os resultados da instituição nas avaliações internas e externas, atribuindo sentido e significado para os dados junto com o coordenador pedagógico. Dessa maneira, a equipe terá referências para melhorar a prática e fazer com que os alunos avancem. Esse profissional também é responsável pela administração dos recursos humanos, materiais e financeiros, pela manutenção da infraestrutura, pela valorização do planejamento e pelo contato com a comunidade externa. Nas esferas jurídica e judicial, o diretor é incumbido de garantir o cumprimento dos 200 dias letivos, como previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), do regimento interno, de fazer ajustes no projeto político-pedagógico (PPP) e de lidar com questões legais. É bastante trabalho e para dar conta de tudo é fundamental que ele tenha uma equipe bem articulada e saiba delegar tarefas.

Até onde vai a responsabilidade pedagógica do diretor? Como ele pode equilibrá-la com a função administrativa? 

ANDERSON DE ANDRADE LIMA, Caruaru, PE
Ele precisa assegurar as condições necessárias para que o processo de ensino e aprendizagem tenha sucesso. Parceiro do coordenador, responsável pela formação dos professores e pelo acompanhamento das práticas pedagógicas, ele deve compartilhar seu olhar externo à sala de aula, garantir momentos de aprofundamento das discussões sobre o fazer docente e assegurar o acesso a todos os recursos para que os profissionais façam seu trabalho. O gestor é, portanto, o maior articulador e incentivador da qualificação profissional, o que terá impacto direto na aprendizagem dos alunos. Sendo assim, ele não pode concentrar todos os esforços na função administrativa e não pensar no pedagógico, pois as duas esferas andam juntas.

Como organizar o calendário escolar e definir as ações que serão realizadas ao longo do ano? 
MIRIAM ROSÁRIO, Quatipuru, PA
Numa escola pública, o calendário está sempre atrelado ao da Secretaria de Educação municipal ou estadual. No entanto, ao elaborar o planejamento do ano, o diretor deve reunir a equipe para definir atividades e projetos que dialogam com a realidade da comunidade. Isso significa que a agenda de cada escola se adéqua ao contexto em que ela está inserida. Também é importante prever horários para as formações em serviço e datas para as reuniões de pais. Tudo isso precisa ser feito sem prejudicar o número de horas-aula e de dias letivos. Com as ações previstas em mãos, o gestor deve compartilhar o documento com professores, funcionários, alunos e familiares. Assim, todos podem acompanhar o que será desenvolvido.

Como preparar uma reunião de pais e envolvê-los na escola?Mirian Marcos, Joinville, SC 
Você precisa assegurar que eles tenham condições de estar presentes nas atividades propostas. Soube de uma iniciativa bacana para atingir esse objetivo, realizada pelos diretores de Canaã dos Carajás, a 764 quilômetros de Belém, onde faço formações. Lá, um mapeamento dos dados das fichas de matrícula mostrou que mais familiares poderiam comparecer à noite e as reuniões foram mudadas para esse período. A alteração garantiu uma média de 80% de presença no encontro de começo de ano. Além de ajustar o horário, é necessário pensar em maneiras de fazer com que a família se sinta acolhida e participe de fato desse momento. Para isso, planeje todos os detalhes com a equipe, desde a recepção até a pauta de discussão, inserindo temas de interesse dos convidados e explicações sobre o trabalho feito em sala de aula. E lembre-se: nada de usar esse tempo para queixas ou para culpar as famílias. A intenção é fazer com que os pais entendam o valor da Educação.
Qual o papel do diretor na organização dos espaços e dos materiais para que o momento da brincadeira seja garantido?
Marinês Buzato, Venda Nova do Imigrante, ES 
Inicialmente, o diretor precisa entender a importância do brincar para o desenvolvimento das crianças. Ao compreender isso, a organização dos espaços destinados a essa prática passará a ter sentido e significado. A responsabilidade do gestor é, então, assegurar as condições para que as brincadeiras tenham ambientes e materiais exclusivos. A equipe pode ajudá-lo a levantar o que a escola já possui e o que ainda precisa ser adquirido. 

Devemos fazer um teste com os alunos no início do ano e usar o resultado para dividir as turmas por nível de desempenho? 
Allan de Lima, Macaparana, PE 
Eu considero isso um equívoco. No início do ano, o comum é fazer um diagnóstico inicial para que os professores e o coordenador consigam tomar decisões didáticas e pensar sobre as atividades. No entanto, esse diagnóstico nada tem a ver com a divisão das turmas por nível de desempenho. Estudos de grandes especialistas, como Lev Vygotsky (1896-1934), mostram a importância da interação entre os alunos, sobretudo em grupos heterogêneos, pois a troca é essencial para a construção do conhecimento. No planejamento, são feitos os ajustes dos desafios, levando em consideração os graus de complexidade que podem ser propostos. Certa vez, tive contato com uma diretora que, antes de terminar o ano letivo, já começava a selecionar as crianças para formar as classes. Ela só foi perceber quanto isso poderia ser prejudicial quando se aproximou do coordenador pedagógico da instituição e refletiu sobre o processo de ensino e aprendizagem. Começar o ano promovendo essa divisão, Allan, colabora para discriminar os estudantes e desestimulá-los.

Fonte: http://gestaoescolar.abril.com.br/administracao/maura-barbosa-responde-questoes-reuniao-pais-espaco-materiais-diagnostico-inicial-877100.shtml
Acessado em 15/09/2015

Ensinar e aprender a ler e a escrever na escola hoje

Ensinar e aprender a ler e a escrever na escola hoje

Como a diversificação e a intensificação da cultura da escrita influenciam o trabalho de professores e diretores


Com base no prólogo que acompanha a obra fundamental de Delia Lerner, a equipe de GESTÃO ESCOLAR me pediu que fizesse um artigo sobre o papel dos diretores na formação de leitores na escola. Minha resposta é esta falsa entrevista. Espero que você compreenda que essa manobra literária procura ser, antes de tudo, um convite ao diálogo e um ato de congruência.

Por que você insistiu que não queria escrever um artigo, e sim uma entrevista?
Vivemos em um mundo extraordinariamente complexo, instável e veloz. Se queremos produzir pensamento útil, devemos ensaiar formatos ligeiros, estimulantes e flexíveis para abordar a complexidade, atentos às condições de recepção dos leitores. Com certeza isso é algo que compete tanto a quem atua na edição (editores, autores e jornalistas) como na Educação.

Em Variações sem Fuga, seu texto introdutório ao livro de Delia, você já mostrava certa desconfiança com relação à possibilidade da leitura transformar as práticas pedagógicas. O texto sinalizou que, mais que ler, era necessário “reler, conversar, pensar, discutir, ensaiar, brincar e analisar... e voltar a fazê-lo muitas vezes”.
Nessa frase aponto uma variedade de exercícios mentais e físicos que devemos realizar para vincular a leitura e a experiência, que é, a meu ver, o que nós, que trabalhamos com a formação leitora, devemos aspirar. Se trata de ir da leitura da página à observação do entorno, da solidão à companhia, da palavra escrita à oral, e vice-versa. Um movimento incessante que custa muita energia, mas que, com consciência, tem um efeito revitalizante como o dos esportes: nos oxigenam e nos fazem sentir mais vivos.

E o que devem fazer os diretores das escolas para incentivar essa ginástica entre os professores?
O diretor deve proteger os professores para evitar que eles percam o foco de suas tarefas essenciais e estimular o trabalho coletivo, a observação do real e a reflexão crítica. Sempre com o intuito de colaborar para criar um olhar consciente e questionador tanto do entorno como das próprias concepções e maneiras de ler. Lembro da frase de Delia, “mesmo com as dificuldades e contando com elas”, é assim que podemos mudar a escola. Quando se estimula o professor a observar com atenção e a ensaiar novas estratégias e se abre espaços para conversar e se aprimorar, até mesmo os erros se transformam em fonte de conhecimento.
Tudo isso pode ser resumido em três palavras: confiança, autonomia e atenção. O gestor deve brindar os docentes com elas e propiciar que eles, por sua vez, as concedam aos alunos. Aplicar essas palavras na escola cotidianamente exige um esforço tenaz. Mas somente assim a instituição poderá ser criadora de cidadania.

O livro de Delia foi publicado no ano 2000. Como você descreveria o que se passou na cultura escrita desde então?
É uma situação muito complexa. Ainda não conseguimos sequer formular as perguntas adequadas, em parte porque os termos que utilizamos têm perdido eficácia. A que exatamente nos referimos quando falamos de ler e escrever hoje? Os objetos e as práticas que associamos a esses verbos são extraordinariamente diversos na atualidade. No entanto, muitos são os discursos simplificadores que, com base em alguns dados isolados, resultam em conclusões otimistas ou pessimistas. Para provocar o pensamento, quero me afastar dos tópicos mais conhecidos – o fim do livro de papel e a redução dos leitores – e propor algumas linhas de reflexão. Por exemplo, evidenciar que a crise da leitura que vivemos não se deve à diminuição do interesse pela leitura, e sim ao oposto dela, ou seja, a multiplicação e diversificação dos usos e dos usuários da cultura escrita. Hoje, lemos e escrevemos para praticamente tudo e isso tem transformado a própria definição da cultura escrita. Quando a leitura era privilégio de poucos e estava restrita a poucos formatos, alguns antropólogos a opunham à cultura oral. Segundo eles, a palavra escrita permitia o pensamento racional e objetivo. Por isso a vinculavam com a democracia. Já sabemos que essa vinculação não é obrigatória e somos mais capazes de entender a racionalidade nas culturas ágrafas e o valor de suas estruturas sociais. Também já se coloca em crise o vínculo entre escrita, memória e conservação (e, portanto, entre escrita, pensamento e democracia).

Podemos pensar, então, que estão se apagando as fronteiras entre a oralidade e a escrita?
Essas fronteiras sempre foram porosas, mas nunca tanto como agora. Basta observar o que acontece com os telefones celulares: os jovens praticamente não falam, mandam mensagens. São escritas que estão destinadas a desaparecer, como a maior parte do que publicamos atualmente, tanto no papel quanto nas telas.

Por que você considera que textos como as mensagens de celular vão desaparecer?
Isso tem a ver com a economia da memória e a cultura escrita. Armando Petrucci, grande paleógrafo italiano, afirmou que há uma lei que rege essa economia: quanto maior o número de mensagens que se deseja guardar, menor será a resistência do material escrito. A pedra e o pergaminho resistem ao passar do tempo melhor que o papiro e o papel de trapos. E eles duram mais que o papel reciclado em que foram produzidos a maior parte dos livros do século 20. O enunciado de Petrucci é válido e se complica mais na dialética do mundo digital que supõe a interação de um hardware e um software. O que escrevemos e fotografamos em dispositivos de dez anos atrás, mesmo que tenha sido guardado, dificilmente poderá ser lido pelos aparatos reprodutores de hoje.
Pensemos nas fotografias: tiramos centenas e as esquecemos no celular quando trocamos de modelo a cada ano. As consequências são fortes e têm uma implicação também sobre a maneira como escrevemos. Mas, reitero, essas mudanças se iniciaram com a expansão e a diversificação dos leitores. E a irrupção da internet há algumas décadas teve um efeito catalisador que mexeu com todos os campos. Se pretendemos que a leitura e a escrita tenham uma relação com a formação da cidadania, devemos repensar as estratégias. Ler e escrever pode também levar à simplificação, à impulsividade.

Como a escola deve trabalhar na era da internet?
Não só ela, todas as instituições – incluídos aí os governos, os órgãos de saúde, as empresas... – têm de repensar sua essência. A escola pública segue sendo o principal organismo destinado a igualar as oportunidades e o único espaço inteiramente consagrado a fomentar a aprendizagem, ainda que cada vez mais seja necessário aprender durante toda a vida. Nesse sentido, creio que se deve questionar a eficácia da maneira mais usada para aproximar a internet das aulas: distribuir tablets.
Pode ser útil, mas não é imprescindível, nem essencial. Cedo ou tarde, todas as crianças entram em contato com a internet. Mas, talvez, nunca mais elas tenham uma oportunidade melhor de aprender a pensar, conviver ou aprender. Tudo o que fazemos deve se basear em valorizar a singularidade do tempo escolar nesse período ímpar da vida. Se a internet multiplica as fontes de informação e as oportunidades de aprendizagem fora das instituições de ensino, é preciso se aproveitar disso ainda que não tenhamos um computador para cada aluno ou em cada sala.

O que deveríamos considerar nessas práticas didáticas?
Menciono duas coisas fundamentais, mas que não são as únicas. Uma é a convergência de textos, imagens e sons que se dá naturalmente entre as crianças mundo afora. Na cultura escolar tradicional havia uma clara diferença e até mesmo um antagonismo nesse aspecto. Isso não pode seguir assim. Outra é a maneira como aumenta a interação entre leitores (que já são ao mesmo tempo escritores e editores, já que leem, escrevem e publicam de maneira simultânea) e escritores.
É um grande desafio lidar com tudo isso quando ainda não temos didáticas eficientes de leitura, mas é imperativo que o façamos. O professor não pode seguir fundamentando sua autoridade e controlando a informação nem seguir supondo que é o único que ensina. Ele não só deve ajudar a orientar as crianças em um mundo que oferece informação em excesso mas também precisa aprender a aprender com elas.

Podemos dizer que há uma crise na escola motivada por essas mudanças?
Sim, e essa crise é dupla: foi fundada para igualar oportunidades, mas em boa medida tem sido uma reprodutora de desigualdade (por isso, em muitas instituições os alunos saem sem saber ler e escrever).
Além disso, o êxito escolar também tem sido cada vez menos eficaz para, por exemplo, assegurar um trabalho estável e bem remunerado. Há algumas décadas, ter uma graduação era suficiente para ter um futuro razoável assegurado. Agora, em muitos países desenvolvidos e em vários latino-americanos, o doutorado não é suficiente. É por isso, entre outras razões, que surgem os pós-doutorados: uma maneira de ocupar uma força de trabalho para a qual forçosamente haverá mercado.
Assim, apesar do mundo se tornar cada vez mais amplo, com frequência a capacidade de decidir sobre nosso futuro parece se estreitar. A escritora francesa Viviane Forrester (1925-2013) chamava esse fenômeno de horror econômico. Considero inaceitável. A Educação deve ajudar também que cada pessoa possa ser um pouco mais dona de sua vida e não se apegue a um modelo único de desenvolvimento pessoal e coletivo.
Se a escola assume plenamente que não só tem de preparar para o futuro como também oferecer a todos a oportunidade de um presente em que possamos desfrutar da diversidade, que hoje está bem mais visível e acessível em todos os sentidos, teremos conseguido muito. Digo isso sabendo que a diversidade é também uma fonte de conflitos. Aprender a conviver com eles de maneira pacífica é um desafio formidável. Esse é o objetivo que enfrentamos não apenas nas escolas, mas também nas bibliotecas públicas que, sem dúvida, têm ganhado uma importância maior. Mas isso é um outro tema e espero que em outro momento possamos chegar a ele.

Fonte: http://gestaoescolar.abril.com.br/formacao/ensinar-aprender-ler-escrever-escola-hoje-861920.shtml?page=0
Acessado em 15/09/2015