A escola da família
Aproximar os pais do trabalho
pedagógico é um dever dos gestores. Conheça aqui 13 ações para essa parceria
dar resultado
01/09/2009 19:04
Foto: Dreamstime
"O papel do pai e da mãe é estimular o comportamento de estudante
nos filhos, mostrando interesse pelo que eles aprendem e incentivando a
pesquisa e a leitura"
Está na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e
no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): as escolas têm a obrigação de se
articular com as famílias e os pais têm direito a ter ciência do processo
pedagógico, bem como de participar da definição das propostas educacionais.
Porém nem sempre esse princípio é considerado quando se forma o vínculo entre
diretores, professores e coordenadores pedagógicos e a família dos
alunos.
O relacionamento chega a ser ambíguo.
Muitos gestores e docentes, embora no discurso reclamem da falta de
participação dos pais na vida escolar dos filhos - com alguns até atribuindo a
isso o baixo desempenho deles - não se mostram nada confortáveis quando algum
membro da comunidade mais crítico cobra qualidade no ensino ou questiona alguma
rotina da escola. Alguns diretores percebem essa atitude inclusive como uma
intromissão e uma tentativa de comprometer a autoridade deles. Já a maioria dos
pais, por sua vez, não participa mesmo. Alguns por não conhecer seus direitos.
Outros porque não sabem como. E ainda há os que até tentaram, mas se isolaram,
pois nas poucas experiências de aproximação não foram bem acolhidos e se
retraíram.
No Brasil, o acesso em larga escala ao
ensino se intensificou nos anos 1990, com a inclusão de mais de 90% das
crianças em idade escolar no sistema. Para as famílias antes segregadas do
direito à Educação, o fato de haver vagas, merenda e uniforme representou uma
enorme conquista. "Muitos pais veem a escola como um benefício e não um
direito e confundem qualidade com a possibilidade de uso da infraestrutura e
dos equipamentos públicos. Isso de nada adianta se a criança não
aprender", afirma Maria do Carmo Brant de Carvalho, coordenadora geral doCentro
de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária(Cenpec), em
São Paulo.
A escola foi criada para servir à
sociedade. Por isso, ela tem a obrigação de prestar contas do seu trabalho,
explicar o que faz e como conduz a aprendizagem das crianças e criar mecanismos
para que a família acompanhe a vida escolar dos filhos. "Os educadores
precisam deixar de lado o medo de perder a autoridade e aprender a trabalhar de
forma colaborativa", afirma Heloisa Szymanski, do Departamento de
Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Um estudo realizado pelo Convênio
Andrés Bello - acordo internacional que reúne 12 países das Américas -
chamado A Eficácia Escolar Ibero-Americana, de 2006, estimou que o
"efeito família" é responsável por 70% do sucesso escolar. "O
envolvimento dos adultos com a Educação dá às crianças um suporte emocional e
afetivo que se reflete no desempenho", afirma Maria Amália de Almeida, doObservatório
Sociológico Família-Escola, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Mas o que significa uma parceria
saudável entre essas duas instituições? Os pais devem ajudar no ensino dos
conteúdos e os professores no dos bons modos? Claro que não. A colaboração que
se espera é de outra ordem. "O papel do pai e da mãe é estimular o
comportamento de estudante nos filhos, mostrando interesse pelo que eles
aprendem e incentivando a pesquisa e a leitura", diz Antônio Carlos Gomes
da Costa, pedagogo mineiro e um dos redatores do ECA. Para isso, é preciso
orientar os pais e subsidiá-los com informações sobre o processo de ensino e de
aprendizagem, colocá-los a par dos objetivos da escola e dos projetos
desenvolvidos e criar momentos em que essa colaboração possa se efetivar.
Quando o assunto é aprendizagem, o
papel de cada um está bem claro - da escola, ensinar, e dos pais, acompanhar e
fazer sugestões. Porém, se o tema é comportamento, as ações exigem cumplicidade
redobrada. Ao perceber que existem problemas pessoais que se refletem em
atitudes que atrapalham o desempenho em sala de aula, os pais devem ser
chamados e ouvidos, e as soluções, construídas em conjunto, sem julgamento ou
atribuição de culpa. "Um bom começo é ter um diálogo baseado no respeito e
na crença de que é possível resolver a questão", acredita Márcia Gallo,
diretora da EME Professora Alcina Dantas Feijão, em São Paulo, e autora do
livro A Parceria Presente: A Relação Família-Escola numa Escola de
Periferia de São Paulo.
Visando ajudar você a dar os passos
necessários para cumprir o dever legal e social de ter um relacionamento de
qualidade com as famílias, NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR elaborou uma lista
com 13 ações, que vão desde o acolhimento no começo do ano letivo até as
atividades de integração social.
Convidar os pais para conhecer as
instalações e, principalmente, a equipe pedagógica e os funcionários é
fundamental para que eles se apropriem do espaço e se sintam à vontade para
fazer parte dele. Esse momento pode acontecer antes ou após a matrícula e serve
para que os gestores exponham o funcionamento e a rotina da escola e informem
sobre as atividades extraclasse. Explique a finalidade de cada ambiente e a
função dos profissionais que ali trabalham, apresentando-os pelo nome.
Aproveite para compartilhar as regras de funcionamento previstas no Regimento
Escolar. Ao comunicá-las aos pais, abre-se um canal de diálogo sobre os
direitos e deveres de cada um. Se possível, faça com que os professores
conheçam os familiares antes do início das aulas.
Conhecer para quem se trabalha. As
matérias-primas de qualquer relação humana são o interesse, a compreensão e o
respeito. Para que a escola tenha uma parceria efetiva com as famílias e
direcione as ações que favoreçam a aprendizagem, ela precisa saber quem é o seu
público. O ato da matrícula é o momento ideal para a primeira entrevista.
Aborde assuntos como a história de vida da criança e a experiência escolar
anterior. Conversas individuais com pai e mãe ao longo do ano ajudam a
identificar as habilidades dos alunos que possam ajudar professores e
coordenadores a traçar as melhores estratégias de ensino. "O princípio do
educador é acreditar no ser humano. Toda criança tem um potencial e a
colaboração com as famílias é um atalho para descobrir uma forma eficaz de cada
aluno avançar", afirma a psicopedagoga Valéria Dias Gomes, do Centro
Universitário do Triângulo, campus Uberlândia, a 550 quilômetros de Belo
Horizonte.
No documento mais importante da escola,
já devem estar previstas as possíveis contribuições das famílias. Exemplos:
pais, mães e avós podem ser convidados para falar durante o desenvolvimento de
atividades sobre profissões e brincadeiras de infância. Dessa forma, a escola
valoriza os conhecimentos da comunidade e fortalece o vínculo com ela. No
projeto político pedagógico, podem estar listadas outras ações institucionais,
como campeonatos entre pais, oficinas em que a família constrói brinquedos,
rodas em que os pais contam histórias ou escutam as lidas pelos alunos e os
eventos de finalização dos projetos desenvolvidos pelas turmas com a presença
dos pais.
4. Fazer uma reunião de pais focada no ensino
"A reunião para falar mal dos
estudantes e compartilhar somente problemas não serve para nada. Os encontros
devem mostrar as intenções educativas da escola e a evolução da aprendizagem e
discutir estratégias conjuntas para melhorá-la", acredita Pedro de Carvalho
da Silva, da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, em Portugal.
Durante a pesquisa As Escolas e as Famílias em Portugal - Realidade e
Perspectivas, com famílias consideradas ausentes da Educação dos filhos, o
professor verificou que o principal motivo da não-participação era a pauta das
reuniões: "Elas eram chamadas para ouvir comentários negativos sobre os
filhos ou sobre a maneira de educar em casa". Na EE Leopoldo Miranda, em
Belo Horizonte, o foco dos encontros é sempre a aprendizagem. E isso desde a
primeira reunião, em que os pais dos 1,4 mil alunos ocupam o pátio da escola.
No evento, a diretora, Lilianne Marino, entrega o calendário e as regras da
escola e apresenta o projeto político pedagógico. Ela faz um balanço do ano
anterior e informa sobre as metas, organizadas em uma planilha e classificadas
por cores: em verde estão as que foram atingidas e em vermelho aquelas em que a
escola precisa melhorar. Nas outras reuniões, os pais são convidados para ver
produções dos filhos e recebem um relatório sobre os avanços na aprendizagem.
5. Marcar encontros em horários convenientes aos pais
Uma medida simples e bastante eficiente
para garantir uma reunião com um quórum significativo é marcá-la em data e hora
que permitam aos pais comparecer. Todos sabem que homens e mulheres enfrentam
duplas jornadas, dividindo o dia entre os afazeres de casa e os profissionais.
Não adianta agendar a reunião para as 15 horas de uma quarta-feira porque a
sala ficará vazia. O ideal é fazer uma enquete com as famílias para saber quais
são os horários mais adequados à maioria. Informe com antecedência o dia do encontro,
assim como a pauta, o tempo de duração e os momentos previstos para as falas de
pais, gestores e professores.
6. Expor a produção dos alunos
Ao compartilhar com a comunidade o que
as crianças fazem em sala de aula, os gestores mostram o que importa no
processo. É possível expor as produções dos alunos nos diferentes espaços da
escola e da comunidade durante o ano, de modo que todas as turmas tenham a
possibilidade de mostrar o que aprenderam. Assim, os alunos saberão respeitar
as atividades realizadas pelos colegas e os pais terão a oportunidade de
acompanhar a produção dos filhos. Portfólios, cadernos, avaliações e trabalhos
coletivos e individuais são os registros materiais que documentam os avanços da
garotada. Eles devem estar sempre em ordem, apresentáveis e disponíveis para os
pais.
7. Informar a comunidade sobre o desempenho da escola
Ferramentas tradicionais, como murais,
bilhetes, diário dos alunos e demais comunicados impressos, são instrumentos
que servem para informar sobre o funcionamento da escola, prestar contas,
convocar reuniões e compartilhar os projetos em andamento. Na era da informática,
as escolas com computador e acesso à internet podem ter outros canais de
comunicação que facilitem a interação. A criação do site da escola com espaço
para comentários dos visitantes, de listas de discussão, fóruns e blogs é um
exemplo. Os resultados de avaliações como a Prova Brasil e as feitas por
sistemas estaduais e municipais, pela importância que têm para o diagnóstico da
escola e o planejamento de ações futuras, não devem ser comunicados por
escrito. Eles merecem ações mais formais de divulgação. Para eles, convoque uma
reunião específica com pais, funcionários e equipe pedagógica da escola para
discutir os dados.
As associações de Pais e Mestres APMs
são organizações da sociedade civil que dão apoio às questões financeiras em
prol das necessidades pedagógicas e administrativas. Enquanto os conselhos têm
uma função basicamente consultiva, as APMs constituem, pela sua natureza
jurídica, os braços executores. Elas podem receber recursos públicos vindos de
programas oficiais - como o Programa Dinheiro Direto na Escola, do governo
federal, e outros específicos das redes às quais pertencem - e têm a
possibilidade de arrecadar contribuições da comunidade. Além dos pais, elas
serão mais representativas se contarem com a presença de professores que ainda
estão na ativa e aposentados, alunos e ex-alunos que ainda mantenham vínculo
com a instituição e moradores e empresários da comunidade. A participação deve
ser aberta a todos os interessados. Contudo nada impede que um convite pessoal
seja feito para aqueles que acompanham mais de perto a vida da escola. Algumas
redes estaduais e municipais têm normas que regulamentam a formação das APMs.
Procure se informar sobre o estatuto da sua região na Secretaria de Educação e
procure os materiais distribuídos gratuitamente pelo Ministério da Educação
(MEC).
É no conselho escolar que são debatidas
a aplicação dos recursos financeiros, a compra de materiais pedagógicos e as
estratégias adequadas para a superação dos mais variados problemas relacionados
com o dia a dia da instituição. Quando ele é bem estruturado, ajuda o gestor a
definir a personalidade da escola. Os conselheiros passam a ser verdadeiros
parceiros na tomada de decisões para a melhoria da qualidade do ensino,
tornando a gestão mais democrática. Algumas redes têm normas que regulamentam a
formação dos conselhos. O MEC também disponibiliza material para a implantação
nas escolas. O conselho da EMEF Jean Piaget, em Porto Alegre, é muito ativo graças
à integração entre gestores e famílias. "Desde o início, chamamos para
participar pais e professores que tinham uma forte ligação com a escola e a
comunidade. Como estavam sempre presentes, já sabiam das necessidades e estavam
dispostos a colaborar por um objetivo comum", conta a vice-diretora,
Sabrina Garcez. Em uma das reuniões, os gestores mostraram o quanto a evasão
prejudicava a avaliação e a imagem da escola. Os membros do conselho decidiram
conversar com as famílias. Foi assim que Mário Virgulino e Nilza Satim
conseguiram que Everton Gabriel Araujo, neto de Maria Lurdes Macedo, retornasse
às aulas. "Em dois anos, reduzimos em 95% a evasão e o nosso projeto se
tornou modelo para a cidade", afirma Paulo Alécio Muhl, diretor da Jean
Piaget.
A escola pode abrir a quadra, o pátio e
até as salas de aula para pais e vizinhos e oferecer atividades esportivas,
culturais e sociais quando esses ambientes não estiverem sendo utilizados pelos
alunos. Para que essa iniciativa dê certo, é preciso que a gestão estabeleça
normas claras e organize os horários adequados para garantir a segurança dos
usuários e do patrimônio, além da utilização compatível com os objetivos da
escola. Essa ação tem sido transformada em políticas públicas por algumas
redes, que a incentivam e dão subsído para que ela aconteça, na medida em que
atende a uma necessidade do público por um lugar organizado para o lazer. A
comunidade, por sua vez, passa a respeitar o espaço que utiliza.
"Sempre que possível, a escola
deve ser uma referência para as famílias, ajudando-as a compreender melhor os
filhos e a realidade. Ela pode levantar o debate sobre as questões sociais e
culturais mais presentes no cotidiano da comunidade", acredita Maria do
Carmo Brant, do Cenpec. Encontros com especialistas em saúde, nutrição,
aprendizagem, higiene e debates sobre violência e psicologia infantil são
assuntos que interessam a todos. Além disso, é uma forma de, por meio da
informação e da análise, favorecer a transformação do entorno
Sair da escola para conhecer o bairro,
a residência e os pais dos estudantes pode ser uma experiência e tanto para
gestores e docentes. Com essa prática, eventuais problemas de comportamento ou
dificuldade em sala de aula têm mais chances de ser compreendidos e resolvidos.
Em Taboão da Serra, município da Grande São Paulo, o Programa de Interação
Família e Escola, no qual professores e diretores visitam a casa dos alunos,
transformou a realidade do município e da Educação local, melhorando a
aprendizagem e reduzindo a evasão. Para que uma iniciativa assim dê certo, é
preciso organizar um calendário e verificar quais membros da equipe estão
dispostos a participar, assim como as famílias que aceitam receber os
educadores.
Assim como as atividades esportivas e
culturais, as festas não devem ser as únicas oportunidades para contar com a
presença de pais e mães na escola. Contudo, elas são ótimas chances para criar
uma relação mais próxima e conversar sobre os filhos. As famílias mais
presentes até assumem a organização de eventos e outras iniciativas propostas
pela escola. Na EMEF Jesus de Nazaré, em Açailândia, a 600 quilômetros de São
Luís, pais como José Silva dos Santos estão sempre presentes para ajudar no dia
a dia da escola. Em eventos como a tradicional Festa Junina, ele aproveita para
pendurar bandeirinha com o professor de Educação Física, Ezau Souza, e
conversar sobre o desempenho do filho. "A presença deles nas comemorações
é só parte do que acontece durante o ano todo", diz a diretora, Marta
Gomes. A política de portas abertas da gestora deixa os pais à vontade para que
frequentem a escola não somente nas reuniões, mas sempre que precisam tirar
dúvidas e se informar sobre os filhos. "Deixo claro que não há ninguém
melhor do que eles para cobrar o bom desempenho dos professores e da equipe
gestora." Porém alguns cuidados são necessários ao planejar as
comemorações: as festas não podem desrespeitar a liberdade religiosa das
famílias nem ter participação obrigatória.
http://educarparacrescer.abril.com.br/gestao-escolar/escola-familia-495924.shtml